O compadrio e a posse da terra no Vale do Ribeira do século XIX

os indícios dados pela trajetória do liberto Irineu e sua companheira livre Irene

Autores/as

DOI:

https://doi.org/10.61636/bpg.v1i114.3897

Palabras clave:

Compadrio; Vale do Ribeira; Posse da Terra

Resumen

Neste artigo buscamos investigar os processos que levaram a região do Vale do Ribeira/SP a concentrar a maior quantidade de territórios quilombolas do estado de São Paulo. Para tanto, a pesquisa teve por ponto de partida a realização de trabalhos de campo entre 2022 e 2025, quando entrevistamos descendentes de antigos proprietários de terras e engenhos, escravizados, libertos e livres pobres. Munidos de suas árvores genealógicas e guiados pelo método da micro-história de Carlo Ginzburg, seguimos as pistas deixadas por esses antepassados em documentos primários (sobretudo assentos de batismo e registros de terras de Xiririca, atual Eldorado), com o objetivo de compreender quem eram e quais vínculos teceram na primeira metade do século XIX. Foi nesse percurso que encontramos o casal Irineu e Irene, vivos nas primeiras décadas de 1800, e acompanhamos seus esforços de registrar e transmitir a posse da terra a seus descendentes. A partir dos indícios fornecidos pela trajetória deste casal e ancorados em reflexão crítica sobre a bibliografia das relações de compadrio e do contexto escravista, formulamos a hipótese de que os vínculos estabelecidos por meio do ritual do batismo foram decisivos para garantir a posse da terra por aquele casal e as gerações seguintes, o que nos deu subsídios para explicar a configuração particular da territorialização do capital no Vale do Ribeira e a expressiva presença de territórios quilombolas na região.

Biografía del autor/a

Cecilia Cruz Vecina, USP

Atualmente realiza doutorado pela Universidade de São Paulo em Geografia Humana. Professora Substituta da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ao longo do ano de 2019. Mestre (2018) em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, e bacharel (2014) em Geografia pela mesma universidade, tendo realizado três Iniciações Científicas no Departamento de Geografia (USP). Desenvolve discussões em grupos de estudo como principal atuação acadêmica (desde 2009) sobre a imanente contradição da dominação capitalista e a formação e crise da sociedade do trabalho.

Citas

ALMEIDA, Antônio Paulino de. Memória histórica de Xiririca. Boletim. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, v. 14, p. 7-168, 1955.

ANDRADE, Tânia; PEREIRA, Carlos A. C.; OLIVEIRA ANDRADE, Marcia R. (ed.). Negros do Ribeira: reconhecimento étnico e conquista do território. 2 ed. São Paulo: ITESP: Páginas & Letras, 2000.

ARQUIVO DIOCESANO DE REGISTRO (ADR). Livro de assentos de casamento de livres e libertos da Igreja de Xiririca: 1844 a 1860. Fotografado por Nelson J. de Moraes. 1979a.

ARQUIVO DIOCESANO DE REGISTRO (ADR). Livro de assentos de batismo de escravizados da Igreja de Xiririca: 1817 a 1888. Fotografado por Nelson J. de Moraes. 1979b.

ARQUIVO DIOCESANO DE REGISTRO (ADR). Livro de assentos de batismo de livres e libertos da Igreja de Xiririca: 1814 a 1867. Fotografado por Nelson J. de Moraes. 1979c.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Carta reservada à Província de São Paulo. Ofícios Diversos. CO 1339, 1854.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Maço de População de Iguape e Xiririca. 1789.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Maço de População de Iguape e Xiririca. 1801.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Maço de População de Iguape e Xiririca. 1815.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Maço de População de Iguape e Xiririca. 1828.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Maço de População de Iguape e Xiririca. 1836.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP). Livro de Terras de Xiririca. vol. 25. 1856.

AZEVEDO, Aroldo. Monografias Regionais. São Paulo: Ed. Nacional, 1943.

BACELLAR, Carlos de A. P. Arrolando os habitantes do passado: as listas nominativas sob um olhar crítico. Locus, v.14, n.1, Juiz de Fora, p.113-131, 2008.

BACELLAR, Carlos de A. P. Os compadres e as comadres de escravos: um balanço da produção historiográfica brasileira. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, jul., 2011.

CHALHOUB, Sidney. Visões de Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011a.

CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século XIX). História Social, 14(19), p.33–62, 2011b. DOI: https://doi.org/10.53000/hs.vi19.315

CONRAD, Robert E. Children of God’s Fire: A Documentary History of Black Slavery in Brazil. The Pennsylvania State University Press, 2006.

ENGEMANN, Carlos. De laços e de nós: constituição e dinâmica de comunidades escravas em grandes plantéis do sudeste brasileiro do Oitocentos. 2006 Tese (Doutorado em História Social) – Instituo de Filosofia e Ciência Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

FERREIRA, Roquinaldo; GUEDES, Roberto. Apagando a nota que diz escrava: Efigênia da Silva, o batismo, o compadrio, os nomes, as cabeças, as crias, o tráfico, a escravidão e a liberdade (luanda, C. 1770-C. 1811). Almanack, Guarulhos, n. 26, edoo819, 2020. DOI: http://doi.org/10.1590/2236-463326edoo819.

FLORENTINO, Manolo. GÓES, Jose “Comércio Negreiro e Estratégias de Socialização Parental entre os Escravos do Agro Fluminense, 1790–1830.” Vol. 1, pp. 65–81. Em: Anais do IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais. São Paulo: ABEP, 1994.

FÓRUM DE ELDORADO (FE). Inventário de Irineu Pupo Ferreira [inventário]. Xiririca. Cx. 41, 1871.

FÓRUM DE ELDORADO (FE). Inventário de Benedito Pupo Ferreira [inventário]. Eldorado. Cx. 325, 1925.

FÓRUM DE ELDORADO (FE). Inventário de Ronaldo Pupo Ferreira [inventário]. Xiririca. Cx. 65, 1942.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51ed. São Paulo: Global, 2006.

GINZBURG, Carlos. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989.

GUDEMAN, Stephen, SCHWARTZ, Stuart B. Cleansing Original Sin: Godparenthood and the Baptism of slaves in Eighteenth-Century Bahia. Em: SMITH, Raymond Thomas (ed.) Kinship Ideology and Practice in Latin America. The University of North Carolina Press, pp.35-58, 1984.

GUDEMAN, Stephen, SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII. Em: REIS, João J. (Org). Escravidão e Invenção da Liberdade: Estudos sobre o negro no Brasil. Ed. Brasiliense, p.33-59, 1988.

GUDEMAN, Stephen. The Compadrazgo as a Reflection of the Natural and Spiritual Person. Proceedings of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, p. 45-71, 1971.

HEIDEMANN, Heinz D.; TOLEDO, Carlos de A.; BOECHAT, Cássio A. O trabalho no Brasil: traçado interpretativo de sua história de formação e de sua crítica. Estudos Avançados, São Paulo, v. 28, n. 81, p. 55- 67, Ago. 2014.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). O Ribeira Vale. s/ ano. Disponível em: https://www.ribeiravale.org.br/. Acessado em: 01 de agosto de 2025.

JOÃO. Trajetória familiar. Entrevista concedida a Cecília Cruz Vecina. Eldorado. 02 de abril de 2022.

KURZ, Robert. Dinheiro sem Valor: linhas gerais para uma transformação da crítica da economia política. Lisboa: Antigona. Trad. Lumir Nahodil. 2014.

MACHADO, Cacilda. As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da Freguesia de São José dos Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, n. 52, p.49-77, 2006.

MACHADO, Maria H. P. T. CARDOSO, Antônio A. I. Geminiana e seus filhos: uma história de escravidão, maternidade e morte – Brasil do século XIX. São Paulo: Bazar do Tempo, 2024.

MAMIGONIAN, Beatriz G., GRINBERG, Keila. O crime de redução de pessoa livre à escravidão no Brasil oitocentista. Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 12, p.1-21, 2021. DOI: http://doi.org/10.5007/1984-9222.2021.e79922.

MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Contexto, 2010.

MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista (Brasil, século XIX). 3ª ed. Ver., Campinas: Editora Unicamp, 2013.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: FFLCH/Labur Edições, 2007.

OLIVEIRA, Jônata A. R. de; PEREIRA, Larissa S. Entre rastros e vestígios: a escrita de Esperança Garcia contra as políticas de ocultamento. Uniletra, Ponta Grossa, v. 44, p.1-12, 2022. DOI: 10.5212/Uniletras.V.44.19565.2022.

PARÉS, Luis N. A Formação do Candomblé: História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.

RIOS, Ana Maria Lugão. The Politics of kinship: Compadrio Among Slaves in Nineteenth-Century Brazil. The History of the Família: An International Quarterly. Vol. 5, n. 3, p.287-298. 2012.

SANTOS, Márcio A. O batismo e seus diversos papéis na escravidão no vale do Mucuri em Minas Gerais na segundo metade do século XIX. Rede-A, vol 1, n.2, jul-dez, p.119-141, 2011.

SCHWARTZ, Stuart B. Opening the Family Circle: Godparentage in Brazilian Slavery. Em: Slaves, peasants, and rebels: reconsidering Brazilian slavery. University of Illinois Press, pp.137-160, 1992.

SILVA, G. C. DE M. Os filhos da escravidão e o primeiro sacramento: batismo, compadrio e sociedade escravista na freguesia de Santo Antônio do Recife, Capitania de Pernambuco, no fim do século XVIII. História (São Paulo), v. 37, p.1-30, 2018.

SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas: Editora Unicamp, 1ª Ed., 2008.

MARX, Karl. O capital: crítica à Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

SWEET, James. Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770. The University of North Carolina Press, 2003.

SWEET, James. Domingos Álvares: African Healing, and the Intellectual History of the Atlantic World. University of North Carolina Press, 2013.

TOLEDO, Carlos de Almeida. Das velhas às novas barreiras do processo crítico da modernização e mobilização do trabalho. In: SEYFERTH, G. et al. Mundos em movimentos: ensaios sobre migrações. Santa Maria: Ed. UFSM, p. 217-239, 2007.

VALENTIN, Agnaldo. Uma civilização do arroz: agricultura, comércio e subsistência no Vale do Ribeira (1800-1880). 2006. Tese (Doutorado em História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2006.

YOUNG, Guilherme. Documentos para a história de Iguape. Revista do Instituto Histórico e Geographico de São Paulo. Vol. IX, 1904.

Archivos adicionales

Publicado

2025-10-31

Cómo citar

Vecina, C. C. (2025). O compadrio e a posse da terra no Vale do Ribeira do século XIX: os indícios dados pela trajetória do liberto Irineu e sua companheira livre Irene. Boletim Paulista De Geografia, 1(114), 218–246. https://doi.org/10.61636/bpg.v1i114.3897

Número

Sección

Artigos